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30/08/2012

Corporativismo cego ou direto de defesa?

Sugerir que receber honorários que vieram de supostos delitos seja lavar dinheiro é perverso. O advogado não oculta valores para reinseri-los na economia

De tempos em tempos, a advocacia é questionada. De fato, ela parece ser um certo incômodo, tanto em ditaduras como em regimes democráticos. Questionar o Estado, a defesa da legalidade, os direitos dos acusados e um devido processo legal podem ser vistos, em um ou outro cenário, como entraves ao conhecido jargão "fazer Justiça".
A colocação mais perversa - não só posta no Brasil, é verdade - diz respeito à tentativa de criminalizar a própria conduta do advogado no simples ato de recebimento de honorários. E isso sob a pecha de lavagem de dinheiro.
É lançada a ideia da possibilidade de advogados constituídos serem acusados pela prática de lavagem quando do recebimento de valores -a título de honorários- provenientes de supostas condutas delitivas. Em suma, cuida-se dos denominados honorários maculados, como proposto no artigo "Colarinho branco: o mistério dos honorários", publicado pelo juiz federal Valmir Costa Magalhães.
A realidade estrangeira já conheceu, recentemente, punições a advogados sob semelhante acusação. Mas ela é falha em seu substrato, e não por mero corporativismo cego.
A perseguição aos ativos ilícitos por meio de lavagem tem como finalidade primordial impedir que os recursos provenientes de delitos sejam ocultados ou dissimulados, de tal sorte a reingressarem na economia regular, beneficiando os infratores.
Dito de outro modo, com a perseguição aos proveitos do crime se consegue, como via de consequência, dificultar ou obstaculizar a própria prática delitiva.
A conduta de lavagem, portanto, não se confunde com o mero recebimento de bens ou valores que porventura tenham sido produto de crimes, mas se constitui na ocultação de tais montantes, na sua dissimulação mediante uma série de transações que vislumbrem encobrir as máculas da ilicitude e, por fim, na sua reinserção na economia regular.
No caso de honorários advocatícios, existe simplesmente um pagamento por prestação de serviços profissionais obviamente lícitos. O advogado, assim como o médico ou o lojista que realiza uma venda, não está ocultando ou dissimilando valores com a intenção de reinseri-los na economia.
No caso, o advogado simplesmente recebe a contrapartida de seu ofício, assegurando o sagrado direito de defesa. O pagamento ao advogado não traz ao cliente nenhum benefício em termos de lavagem de dinheiro. Ao contrário, é um ônus com o qual necessita arcar.
A não criminalização do advogado, portanto, não deriva, como parece a alguns, simplesmente do sigilo juridicamente garantido na sua relação com o cliente. Provém, mais do que isso, do direito do cidadão em constituir livremente sua defesa.
O exercício da advocacia e suas imunidades não se destinam a este ou aquele profissional do direito, mas à garantia do Estado de Direito, o qual somente se aperfeiçoa -nas lições do próprio direito norte-americano- com a atuação do advogado independente como guardião da liberdade.
Sob nenhum ponto de vista, a limitação desse direito parece aceitável, nem mesmo ao se buscar o escopo da lei. A sua leitura deve, portanto, ir além do meramente colocado, pois isso tendencialmente gera mais injustiça do que qualquer outra coisa.
___________
* Renato de Mello Jorge Silveira é professor titular da Faculdade de Direito da USP e presidente da Comissão de Direito Penal do IASP - Instituto dos Advogados de São Paulo
** Alamiro Velludo Salvador Netto é professor doutor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e membro da Comissão de Direito Penal do IASP - Instituto dos Advogados de São Paulo

27/08/2012

Boa-fé e inabilidade no uso dos meios administrativos e jurídicos não ensejam punição


 Nº 1.129.277 - RS (2009/0141978-8)


RELATOR: MINISTRO HERMAN BENJAMIN


ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE. PERMISSÃO DE USO DE IMÓVEL PÚBLICO. ABRIGO DE CRIANÇAS EM SITUAÇAO DE RISCO. VIOLAÇAO DOS ARTS. 10 E 11 DA LEI 8.429/1992 NÃO CONFIGURADA.
1. Cuidam os autos de Ação de Improbidade Administrativa movida pelo Município de Esteio contra o ora recorrido, ex-prefeito, por ter permitido o uso, a título precário, de imóvel público por servidora municipal durante o período de março/1994 a dezembro/1996.
2. O Tribunal de origem manteve a sentença que julgou improcedente o pedido, por constatar que a permissão de uso do imóvel destinou-se à realização de serviço voluntário da servidora, qual seja, cuidar de crianças sujeitas a abusos e maus-tratos durante a noite e nos finais de semana, ante a inexistência, à época, de Conselho Tutelar devidamente estruturado.
3. Da leitura do acórdão recorrido não se infere violação dos arts. 10 e 11 da Lei 8.429/1992, haja vista a ausência de dano ao Erário ou de atentado aos princípios administrativos.
4. Ainda que a permissão tenha se ressentido da lei autorizadora prevista na Lei Orgânica do Município, o ato destinou-se a assegurar o direito fundamental, absoluto e prioritário das crianças e dos adolescentes de obter proteção especial, conforme assegurado pelo art. 227 da Constituição da República.
5. Eventual ilegalidade na formalização do ato questionado é insuficiente a configurar improbidade administrativa, porquanto a situação delineada no acórdão recorrido afasta a existência de imoralidade, desídia, desvio ético ou desonestidade na conduta do recorrido.
6. Recurso Especial não provido.


ACÓRDAO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça: "A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto do (a) Sr (a). Ministro (a)-Relator (a)." Os Srs. Ministros Mauro Campbell Marques, Eliana Calmon, Castro Meira e Humberto Martins votaram com o Sr. Ministro Relator.


MINISTRO HERMAN BENJAMIN
Relator

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA